EXEMPLOS DE POEMAS PARA os
GUARDA-CHUVAS:
O sol brilha alto,
Impossível de
fitar.
As estrelas
pestanejam frio,
Impossíveis de
contar.
O coração pulsa
alheio,
Impossível de
escutar.
Álvaro de Campos
Colher
dos
ramos altos
sem
saltar
o
fruto sereno
da
tua passagem
—
como?
Que a luz do sol beije as palavras, Neste dia de
versos e rimas. Que a brisa suave sussurre segredos, E as estrelas dancem em
harmonia.
Que a alegria floresça como um jardim, Cada verso, uma
pétala colorida, num abraço sem fronteiras nem medida!
Sousa Chantre
Plantem nesse lugar um plátano,
onde o vento enroladinho no sono
possa dormir sem sobressaltos.
Eugénio de Andrade
Uma Luz existe
na Primavera
Não presente
no ano
Em qualquer
outra estação -
Quando Março
já chegando
Uma Cor se
firma
Campos
Solitários afora
Que a Ciência
não alcança
Mas a Natureza
Humana elabora.
Emily
Dickinson,
Flor que não
Dura
Flor que não
dura
Mais do que a
sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no
meu pensamento.
Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais,
ó flor, te vi
Onde não sou
senão a terra e o céu.
Fernando
Pessoa, in "Cancioneiro"
Há Palavras
que Nos Beijam Há palavras que nos beijam
Como se
tivessem boca.
Palavras de
amor, de esperança,
De imenso
amor, de esperança louca.
Palavras nuas
que beijas
Quando a noite
perde o rosto;
Palavras que
se recusam
Aos muros do
teu desgosto.
De repente
coloridas
Entre palavras
sem cor,
Esperadas
inesperadas
Como a poesia
ou o amor.
(O nome de
quem se ama
Letra a letra
revelado
No mármore
distraído
No papel
abandonado)
Palavras que
nos transportam
Aonde a noite
é mais forte,
Ao silêncio
dos amantes
Abraçados
contra a morte.
Alexandre
O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'
O poeta é um
fingidor.
Finge tão
completamente
Que chega a
fingir que é dor
A dor que
deveras sente.
Fernando
Pessoa
Morrer de amor
ao pé da tua boca
Desfalecer
à pele
do sorriso
Sufocar
de prazer
com o teu corpo
Trocar tudo por ti
se for preciso
Maria Teresa Horta, in Destino
Poema das árvores
As árvores crescem sós. E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
e entretanto, dar flores.
António Gedeão, in “Obra Poética”
O jacarandá florido
Brando cantar trazia
O vinho doce da noite
A água clara do dia
Quem o olhava
bebia
Quem o olhava escutava
O jacarandá florido
Que o silêncio cantava
Matilde Rosa Araújo, in “As
Fadas Verdes”
Árvore
Onde os frutos maduram:
sal e sol em minhas veias
luz e mel em boca alheia.
Onde plantei
a alta acácia das febres
eu mesmo me deitei,
para ser a raiz da semente,
e da madeira e seiva
se fez o meu corpo.
Agora,
Chove dentro de mim,
em minhas folhas se demoram gotas,
suspensas entre um e outro Sol.
Em mim pousam
cantos e sombras
e eu não sei
se são aves ou palavras.
Mia Couto, in “Vagas e Lumes”
Quem planta uma floresta
Planta uma festa.
Planta a
música e os ninhos,
Faz saltar os coelhinhos.
Planta o
verde vertical,
Verte o verde,
Vário verde vegetal.
Planta o
perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.
Planta
abelhas, planta pinhões
E os piqueniques das excursões.
Planta a
cama mais a mesa.
Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel,
A girafa do carrocel.
Planta
barcos para navegar,
E a floresta flutua no mar.
Planta carroças para rodar,
Muito a floresta vai transportar.
Planta bancos de avenida,
Descansa a floresta de tanta corrida.
Planta um
pião
Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.
Luísa Ducla Soares
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar…
Miguel Torga
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