quinta-feira, 21 de março de 2024

 

EXEMPLOS DE POEMAS PARA os GUARDA-CHUVAS:

O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.

Álvaro de Campos

 

Colher
dos ramos altos
sem saltar
o fruto sereno
da tua passagem
— como?

Vasco Gato

Que a luz do sol beije as palavras, Neste dia de versos e rimas. Que a brisa suave sussurre segredos, E as estrelas dancem em harmonia.

Que a alegria floresça como um jardim, Cada verso, uma pétala colorida, num abraço sem fronteiras nem medida!

Sousa Chantre

 

Plantem nesse lugar um plátano,

onde o vento enroladinho no sono

possa dormir sem sobressaltos.

Eugénio de Andrade

 

Uma Luz existe na Primavera

Não presente no ano

Em qualquer outra estação -

Quando Março já chegando

Uma Cor se firma

Campos Solitários afora

Que a Ciência não alcança

Mas a Natureza Humana elabora.

Emily Dickinson,

 

Flor que não Dura

Flor que não dura

Mais do que a sombra dum momento

Tua frescura

Persiste no meu pensamento.

Não te perdi

No que sou eu,

Só nunca mais, ó flor, te vi

Onde não sou senão a terra e o céu.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Há Palavras que Nos Beijam Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca.

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto;

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas inesperadas

Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído

No papel abandonado)

Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

 

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

 

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

Maria Teresa Horta, in Destino

Poema das árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto, dar flores.

António Gedeão, in “Obra Poética”

O jacarandá florido
Brando cantar trazia
O vinho doce da noite
A água clara do dia

Quem o olhava bebia
Quem o olhava escutava
O jacarandá florido
Que o silêncio cantava

Matilde Rosa Araújo, in “As Fadas Verdes”

 

Árvore

Onde os frutos maduram:
sal e sol em minhas veias
luz e mel em boca alheia.

Onde plantei
a alta acácia das febres
eu mesmo me deitei,
para ser a raiz da semente,
e da madeira e seiva
se fez o meu corpo.

Agora,
Chove dentro de mim,
em minhas folhas se demoram gotas,
suspensas entre um e outro Sol.

Em mim pousam
cantos e sombras
e eu não sei
se são aves ou palavras.

Mia Couto, in “Vagas e Lumes”

Quem planta uma floresta
Planta uma festa.

Planta a música e os ninhos,
Faz saltar os coelhinhos.

Planta o verde vertical,
Verte o verde,
Vário verde vegetal.

Planta o perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.

Planta abelhas, planta pinhões
E os piqueniques das excursões.

Planta a cama mais a mesa.
Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel,
A girafa do carrocel.

Planta barcos para navegar,
E a floresta flutua no mar.
Planta carroças para rodar,
Muito a floresta vai transportar.
Planta bancos de avenida,
Descansa a floresta de tanta corrida.

Planta um pião
Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.

Luísa Ducla Soares

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar…

Miguel Torga

 



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