O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
|
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz à chuva caindo:
- Bailai comigo, bailai!
E ao de ela seu corpo unindo,
Beija-a na boca, sentindo
que ela o abraça sorrindo
E desmaia, volteando,
E já verga ao beijo, e cai,
E o vento a deixa, abalando
E lá vai!...
Afonso Lopes Vieira, in 'Antologia Poética'
|
"O vento", de Jorge Sousa Braga
Por mais que tente, o vento
não consegue adormecer
se não tiver nada para ler.
Seja uma folha de tília,
de bambu ou buganvília.
É por isso que o vento
arrasta as folhas consigo,
até encontrar um abrigo,
onde possa adormecer.
- arrastou até a folha
onde eu estava a escrever!
"Bucólica", de Miguel Torga
A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.
(in Poesia Completa, vol. I)
CANTIGA DE MÃE, de Alice Vieira
Olha as horas!
Sai da cama !
Não demores
a acordar!
Lava os dentes
muito bem
–mas…ó mãe!…
Não inventes
mais desculpas
pra atrasar!
Passa o pente na cabeça!
Bebe o leite mais depressa!
E não te esqueças também…
— mas … ó mãe!…
…de levar
a papelada assinada
que a professora mandou
Vai lá buscar a mochila
e vê se, por esta vez,
estão prontos os tpc’s!
E fecha bem..
–mas…ó mãe!..
a torneira da banheira!
Olha o pingo…
— mas ó mãe!…
Mas ó mãe!…
Hoje é domingo!
* extraído do livro RIMAS PERFEITAS, IMPERFEITAS E MAIS-QUE-PERFEITAS
|
"Raízes", de Jorge Sousa Braga
Quem me dera ter raízes,
que me prendessem ao chão.
Que não me deixassem dar
um passo que fosse em vão.
Que me deixassem crescer
silencioso e ereto,
como um pinheiro de riga,
uma faia ou um abeto.
Quem me dera ter raízes,
raízes em vez de pés.
Como o lódão, o aloendro,
o ácer e o aloés.
Sentir a copa vergar,
quando passasse um tufão.
E ficar bem agarrado,
pelas raízes, ao chão.
"Furto", de Miguel Torga
Saboreio este dia,
Fruto roubado no pomar do tempo.
Sabe-me a novidade,
Deixa-me os lábios doces.
Tem a polpa de sol, e dentro dele
Calmas sementes doutro sol futuro.
Cheira a terra lavrada e a maresia.
E tão livre e maduro,
Que quando o apanhei já ele caía.
(in Poesia Completa, vol. II)
"A casa", de Manuel Alegre
(Para nós)
A casa tem a nossa vida
a casa está cheia de nós
de coisas arrumadas e desarrumadas
tapetes sapatos livros
retratos discos
quadros
as naturezas mortas estão todas vivas
alimentam-se de nós
e há móveis que foram de outras casas
e de pessoas que fomos nós antes de nós
a casa tem seus ritos e seus ritmos
canetas de tinta permanente
cadernos e papéis sobre a secretária
madeiras e paredes connosco dentro
a mesa com seus talheres e seus copos
e o nosso pão e o nosso vinho
camas por fazer e camas já vestidas
cadeiras onde nos sentamos
e mesmo sem nós ficam sentadas
a casa com seus passos e seu espaço
de silêncios
a casa com sua fala
a casa com sua alma.
(in Nada está escrito; ed. D. Quixote,
2012)
A mochila
Às vezes sou tão pesada
que até tenho a sensação
de trazer o mundo lá dentro
sempre ao alcance da mão:
cadernos, lápis e livros
e outras coisas que tais,
migalhas de pão já seco
que matam a fome aos pardais.
De tão pesada que sou,
só me dá para perguntar:
fará assim tanta falta
o que eu devo transportar?
Então e a pobre coluna
De quem comigo tem de andar?
Eu sirvo para ir para a
escola,
Mas com tanto peso dentro
Até servia para viajar!
José Jorge Letria, A fala das
coisas, Âmbar
|
Sem comentários:
Enviar um comentário