O menino trabalhava arduamente durante todo o dia, no campo, no estábulo e no armazém, pois os pais eram fazendeiros pobres e não podiam pagar a um ajudante. Mas, quando o sol se punha, o pai deixava-lhe aquela hora só para ele. O menino subia ao alto de um morro e ficava a olhar para um outro morro, alguns quilómetros ao longe. Nesse morro distante, via uma casa com janelas de ouro resplandecente e de diamantes. As janelas brilhavam e reluziam tanto que ele era obrigado a piscar os olhos. Mas, pouco depois, ao que parecia, as pessoas da casa fechavam as janelas por fora, e então a casa ficava igual a qualquer casa comum de fazenda. O menino achava que faziam isso por ser hora de jantar; então voltava para casa, jantava e ia deitar-se. Um dia, o pai do menino chamou-o e disse-lhe:
—Tens sido um bom menino e ganhaste um dia livre. Tira esse dia para ti; mas lembra-te de que Deus o deu, e tenta usá-lo para aprenderes alguma coisa boa.
O menino agradeceu ao pai e beijou a mãe. Em seguida partiu, tomando a direcção da casa de janelas douradas.
Foi uma caminhada agradável. Os pés descalços deixavam marcas na poeira branca e, quando olhava para trás, parecia que as pegadas o seguiam, fazendo-lhe companhia. A sombra também caminhava ao seu lado, dançando e correndo, tal como ele. Era muito divertido.
Passado um longo tempo, chegou ao morro verde e alto. Quando subiu ao topo, lá estava a casa. Mas parecia que haviam fechado as janelas, pois ele não viu nada de dourado. Aproximou-se e sentiu vontade de chorar, porque as janelas eram de vidro comum, iguais a qualquer outra, sem nada que fizesse lembrar o ouro.
Uma mulher chegou à porta e olhou carinhosamente para o menino, perguntando o que ele queria.
—Eu vi as janelas de ouro lá do nosso morro — disse ele — e vim de propósito para as ver de perto, mas agora elas são só de vidro!
A mulher meneou a cabeça e riu-se.
—Nós somos fazendeiros pobres — disse — e não poderíamos ter janelas de ouro. E o vidro é muito melhor para se ver através dele!
Convidou o menino a sentar-se no largo degrau de pedra e trouxe-lhe um copo de leite e uma fatia de bolo, dizendo-lhe que descansasse. Chamou então a filha, que era da idade do menino; dirigiu aos dois um aceno afectuoso de cabeça e voltou aos seus afazeres.
A menina estava descalça como ele e usava um vestido de algodão castanho, mas os cabelos eram dourados como as janelas que ele tinha visto e os olhos eram azuis como o céu ao meio-dia. Ela passeou com o menino pela fazenda e mostrou-lhe o seu bezerro preto com uma estrela branca na testa; ele falou do bezerro que tinha em casa, e que era castanho-avermelhado com as quatro patas brancas. Depois de terem comido juntos uma maçã, e se terem assim tornado amigos, ele fez-lhe perguntas sobre as janelas douradas. A menina confirmou, dizendo que sabia tudo sobre elas, mas que ele se tinha enganado na casa.
—Vieste numa direcção completamente errada! — exclamou ela. — Vem comigo, vou-te mostrar a casa de janelas douradas, para ficares a saber onde fica.
Foram para um outeiro que se erguia atrás da casa, e, no caminho, a menina contou que as janelas de ouro só podiam ser vistas a uma certa hora, perto do pôr-do-sol.
—Eu sei, é isso mesmo! — confirmou o menino.
No cimo do outeiro, a menina virou-se e apontou: lá longe, num morro distante, havia uma casa com janelas de ouro resplandecente e de diamantes, exatamente como ele tinha visto. E quando olhou bem, o menino viu que era a sua própria casa!
Apressou-se então a dizer à menina que precisava de se ir embora. Deu-lhe a sua melhor pedrinha, a branca com uma lista vermelha, que trazia há um ano no bolso. Ela deu-lhe três castanhas--da-índia: uma vermelha acetinada, outra pintada e outra branca como leite. Ele deu-lhe um beijo e prometeu voltar, mas não contou o que descobrira. Desceu o morro, enquanto a menina ficava a vê-lo afastar--se, na luz do sol poente.
O caminho de volta era longo e já estava escuro quando chegou à casa dos pais. Mas o lampião e a lareira luziam através das janelas, tornando-as quase tão brilhantes como as vira do outeiro. Quando abriu a porta, a mãe veio beijá-lo e a irmãzinha correu a pendurar-se-lhe ao pescoço; sentado perto da lareira, o pai levantou os olhos e sorriu.
—Tiveste um bom dia? — perguntou a mãe.
—Sim! — o menino passara um dia óptimo.
—E aprendeste alguma coisa? — perguntou o pai.
—Sim! — disse o menino. — Aprendi que a nossa casa tem janelas de ouro e de diamantes.
William J. Bennett
O Livro das Virtudes II – O Compasso Moral
Paz
De vez em quando,
procura um espaço de silêncio.
O barulho excessivo é prejudicial.
O professor de religião está a explicar às crianças por que razão os profetas e Jesus gostavam de ir para o deserto.
— No deserto, o homem está completamente sozinho. Pode fazer silêncio e meditar. Pode pôr-se à prova e ver se consegue passar sem as coisas a que está habituado: sem boa comida e sem conforto, sem diversões e amigos. Não há nada que o distraia quando quer falar com Deus.
— O Sr. Professor já esteve no deserto? — pergunta Jacob.
— Já — responde o professor. — Depois de visitar Jerusalém fui até lá. Gostei tanto, que quase nem consigo descrever.
“Eu também gostava de ir para o deserto” — pensa Jacob. Só é pena que à beira de sua casa não haja nenhum deserto, nenhum local onde possa ficar em silêncio e meditar.
Ou será que há?
No quarto de Jacob, a seguir ao almoço, não há barulho. Só ouve, baixinho, a música da Antena l vinda da casa do vizinho e a mãe a lavar a loiça na cozinha. No pátio, uma criança atira a bola repetidamente contra a parede, e ao longe ouve-se o ruído dos automóveis.
Ali ainda há demasiado barulho para poder estar em silêncio, mas, se fizer um esforço, talvez consiga abstrair-se. Jacob vai perguntar à mãe se pode ir dar um pequeno passeio.
Não é fácil encontrar na cidade um pouco de deserto. Talvez no parque, mas ao lado está a ser aberta uma estrada, e as máquinas fazem tanto barulho que nem se consegue ouvir os pardais a chilrear no arvoredo.
Três quarteirões mais à frente, atrás da fábrica de calçado, há uma sucata. Está fechada com arame farpado, mas Jacob conhece um buraco por onde pode escapar-se. O local da sucata é uma paisagem deserta, só com canos de fogões, detritos, máquinas de lavar e peças de automóveis. Um homem já de certa idade caminha, curvado, por entre os montes de ferro-velho e recolhe metal.
— Andas à procura de alguma coisa? — pergunta, olhando para Jacob.
Jacob salta novamente para a estrada e anda, anda, até chegar em frente da casa de Catarina. Sobe as escadas e toca à campainha.
— Ando à procura de um local para meditar – diz-lhe ele.
Ela condu-lo à sala, afasta para o lado livros e brinquedos com o pé, e encosta uma almofada à parede.
— Pronto, senta-te aqui — diz ela. — Vou ficar quieta para tu poderes meditar.
Catarina senta-se à mesa a fazer os trabalhos de casa. Não diz uma palavra nem olha uma única vez para Jacob. A sala está tão silenciosa que ele consegue ouvir a caneta de tinta permanente a arranhar o papel. E o ruído abafado que os sapatos fazem quando Cati roça a perna da cadeira, porque Cati nunca consegue sentar-se totalmente quieta.
Jacob fecha os olhos. Ouve a sua própria respiração e admira-se por respirar tão devagar. Sente como a barriga sobe e desce quando respira. O sangue palpita-lhe levemente nas orelhas e também no pescoço. Cati foi muito simpática em tê-lo deixado ficar na sala, mas Jacob não lho diz.
— Está-se tão bem aqui. Quase como no deserto.
— Se andas à procura de um deserto, tens de ir à sucata.
— Já lá estive — diz Jacob.
— E?...
— Nada.
— Tens de atravessar devagarinho e com calma a sucata toda — diz Cati. — Não vás só pela beira.
De regresso a casa, Jacob volta a entrar pelo buraco do arame farpado.
— Então, de que é que andas à procura? — pergunta o velho. — De alguma coisa para a bicicleta? Talvez possa ajudar-te.
— Eu só vim dar uma volta — diz Jacob, e continua por entre o ferro-velho. As pedras rolam-lhe por debaixo dos pés, escorrega, segue em frente. Ouve-se o vento a assobiar. Um cão ladra algures.
No céu, bandos de gralhas voam em círculos. Jacob fica espantado. Nunca pensou que ali fosse tão calmo. Não há nada que o distraia.
“Jesus” — pensa ele. — “O que achas do meu deserto?”
Lene Mayer-Skumanz ,Wien, Herder Verlag, 1986 -Tradução e adaptação
Cada pessoa tem em si algo de bom que é preciso fazer desabrochar.
Estava no chão do recreio, no meio da sujidade. No fim do intervalo grande, Regina pegou nela. Era uma bolacha de Natal em forma de estrela, escura e com uma espessa cobertura de açúcar.
Na sala, Regina pôs a estrela na secretária, em frente da professora, a D. Mariana.
—Encontrei-a no recreio — disse.
—Alguém a deitou fora — disse Carolina.
—Está suja e já ninguém pode comê-la. — disse Francisco.
—Se alguém tivesse fome de verdade, comia-a — assegurava Regina.
—Ugh! Eu nunca iria metê-la à boca — disse Francisco.
A D. Mariana, em silêncio, ouviu as crianças durante algum tempo.
—Qual de vocês já teve fome de verdade, uma fome a sério? — perguntou por fim.
Alguns dedos levantaram-se.
—Uma vez, eu tive de ir para a cama sem jantar.
—Num passeio, no Verão, esquecemo-nos do cesto do piquenique.
—Nós fomos visitar a nossa tia Emília, mas ela não nos ofereceu nada para comer.
—E a vossa fome era tão grande que seriam capazes de comer a estrela? —perguntou a professora.
—Não, não era assim tão grande — respondeu Sandra por todos. — Se se comer uma coisa dessas, fica-se doente.
Então, a D. Mariana contou a história do pequeno Sindra Singh, que vive na Índia longínqua e que tem aproximadamente a idade dos alunos da turma B da terceira classe. Todos os dias, Sindra recebe na Estação uma mão-cheia de arroz. São aproximadamente 300 grãos. Um dia Sindra contou-os. Come 150, assim que o senhor da estação lhos dá. Mete 100 grãos à boca quando o sol está alto e guarda o resto para a altura em que o sol se põe. Às vezes, faz batota e começa a comer quando o sol ainda está por cima das árvores.
—O que acham? — pergunta D. Mariana às crianças. — Acham que o Sindra Singh comeria esta estrelinha?
—Eu acho que sim — admitiu Regina.
—Mas, aqui, a bolacha estava caída no recreio, no meio da sujidade.
—O meu avô disse-me que não se deve deitar pão fora — contou Matilde. — Ele disse que aprendeu isso na Rússia, quando esteve preso depois da guerra.
—Em África, as pessoas também passam fome — disse Francisco.
— E no Brasil também. Lá, num certo sítio não choveu durante dois anos — contou Carolina.
—O meu tio escreveu da Anatólia — relatou Zeki. — Houve lá um terramoto e as pessoas já não têm quase nada para comer.
Até ali, Maria não tinha dito nada. Agora pedia para falar.
—Ontem à noite, na festa de Natal, cantámos e tocámos para os pais — disse. —Juntámos algum dinheiro. Com ele, podíamos fazer uma encomenda…
Maria hesitou e sentou-se novamente.
—Um embrulho de Natal! — exclamou Francisco.
—Depois de amanhã, parte da igreja um camião para o local do terramoto — disse Carolina. — De certeza que levava o embrulho!
As crianças estavam entusiasmadas. Escreveram no quadro tudo o que queriam meter no embrulho: chocolate e massapão, farinha, açúcar, biscoitos, conservas e, e, e…
Quando tocou para o intervalo, cada criança da turma sabia o que devia comprar nessa tarde, para se mandar a encomenda. Era o único trabalho de casa desse dia.
No fim, a D. Mariana ergueu a estrela.
—Estou enganada, meninos, ou ela está mesmo a brilhar um bocadinho? — As crianças também acharam que estava um pouco mais clara.
A professora voltou para casa relativamente cansada, mas satisfeita. À noite, o telefone tocou. Era o Sr. Mateus, o pai de Francisco, a queixar-se.
O dinheiro tinha sido reunido para a turma. O dinheiro estava pensado para papel e lápis de cor. O dinheiro era para proveito das crianças da classe B. O dinheiro não era para deitar pela janela.
A D. Mariana objetou que tinham sido as crianças a terem a ideia de, no Advento, fazerem algum bem com aquele dinheiro.
O Sr. Mateus disse que a escola não existia para isso.
—Mas, Sr. Mateus, então o Francisco não contou nada da estrela?
—Estrela? — perguntou o Sr. Mateus. — Mas que estrela?
—Bem — disse a D. Mariana um pouco desamparada — a bolacha de Natal. Quando as crianças tiveram a ideia do embrulho, de repente, ela começou a brilhar. Quero dizer…
—Quer é enfiar-me o barrete, não é? — resmungou o Sr. Mateus.
—Vou tomar outras medidas. O ministro…
—Pergunte ao Francisco sobre a estrela. Ele também viu! — podia ainda ter dito a D. Mariana, mas o pai de Francisco já tinha desligado.
Na manhã seguinte, a professora foi para a escola um pouco abatida. O marido tinha-a animado, e sugerido, caso fosse preciso, que pagasse ela própria as coisas para a encomenda, mas a D. Mariana achava que não era a mesma coisa.
No recreio, Francisco veio logo a correr ao seu encontro e entregou-lhe uma carta. A professora abriu apressadamente o envelope e a nota de vinte euros que vinha lá dentro quase voava para o chão. O Sr. Mateus tinha escrito ainda algumas linhas.
Cara D. Mariana,
Falei com o meu filho Francisco. Ainda não sei se é correcto o que pensa fazer, mas tive a impressão de que ainda se via nos olhos do Francisco o brilho da estrela.
Desculpe, por favor, o meu telefonema de ontem. A minha mulher diz muitas vezes que eu sou uma pessoa impetuosa.
Alexandre Mateus
No dia seguinte, saiu o camião para a Anatólia com muitas encomendas. No embrulho da turma B, ia uma carta.
Feliz Natal! — estava escrito. Cada uma das vinte e seis crianças escrevera o seu nome por baixo.
—Algures, na Anatólia, uma estrela vai subir ao céu — disse a D. Mariana às crianças.Frieden fängt zu Hause an München, DTV
Há muitas pessoas para quem o dinheiro é mais importante do que a dignidade própria.São incapazes de ver beleza nas coisas simples e não olham a meios para enriquecer. Essas pessoas nunca terão verdadeira alegria.
A costureira
Era uma vez uma costureira de colchas que vivia numa casa no cimo das montanhas de bruma azulada. Até o mais idoso dos tetravôs não se lembrava de um tempo em que ela não estivesse lá em cima a coser, dia após dia.
Aqui e ali, e onde quer que o sol aquecesse a terra, dizia-se que ela fazia as colchas mais belas que alguma vez se tinha visto.
Os azuis pareciam vir do mais profundo do oceano; os brancos, das neves mais boreais; os verdes e os púrpuras, das abundantes flores silvestres; os vermelhos, os cor-de-rosa e os cor-de-laranja, do mais maravilhoso dos pores-do-sol.
Algumas pessoas diziam que os seus dedos eram mágicos. Outras murmuravam que as suas agulhas e tecidos eram dádivas do povo das fadas. E outras diziam ainda que as colchas tinham caído de anjos que por ali passavam.
Muita gente subia a montanha, com os bolsos a abarrotar de oiro, na esperança de comprar uma daquelas maravilhosas colchas. Mas a costureira não as vendia.
– Dou as minhas colchas aos que são pobres ou não têm casa – dizia a todos os que lhe batiam à porta. – Não são para os ricos.
Nas noites mais frias e escuras, a costureira descia até à cidade, no sopé da montanha. Percorria as ruas calcetadas até encontrar alguém a dormir ao relento. Então, tirava do saco uma manta acabada de fazer, enrolava-a nos ombros dos que tremiam de frio, aconchegava-os bem, e afastava-se depois em bicos de pés.
No dia seguinte, depois de beber uma chávena fumegante de chá de amoras, começava uma nova manta.
Por esta altura, vivia também um rei, senhor de muito poder e ambição, que, mais do que tudo, gostava de receber prendas.
Os milhares e milhares de lindíssimos presentes que recebia pelo Natal e pelo seu aniversário nunca lhe chegavam. Proclamou, então, uma lei que dizia que o rei passaria a festejar o seu dia de aniversário duas vezes por ano.
Quando isto também deixou de o satisfazer, deu ordens aos seus soldados para procurarem pelo reino as poucas pessoas que ainda não lhe tinham dado prenda alguma.
No decurso dos anos, o rei foi ficando com quase todas as coisas mais bonitas do mundo. Os seus inúmeros bens estavam empilhados um pouco por todo o castelo. Em gavetas ou prateleiras, em caixas e arcas, em armários e sacos.
Coisas que brilhavam, cintilavam e tremeluziam.
Coisas extravagantes e práticas.
Coisas misteriosas e mágicas.
Eram tantas, que o rei tinha uma lista de tudo o que possuía.
Mas, apesar de ser dono de todos estes tesouros maravilhosos de desfrutar, o rei não sorria. Não era nada feliz.
– Deve haver, algures, algo de bonito que me faça, finalmente, sorrir – ouvia-se o rei dizer muitas vezes. – E hei-de tê-lo.
Um dia, um soldado entrou precipitadamente no castelo com a notícia de uma mágica costureira de colchas que vivia nas montanhas.
O rei bateu com o pé no chão.
– E por que razão essa pessoa nunca me deu nenhuma das suas colchas de presente? – perguntou ele.
– Ela só as faz para os pobres, Vossa Majestade– respondeu o soldado. – E não as vende por dinheiro algum.
– Isso é o que vamos ver! – bradou o rei. –Tragam-me um cavalo e mil soldados.
E partiram à procura da costureira de colchas.
Quando chegaram a casa dela, esta limitou-se a rir.
– As minhas colchas são para os pobres e necessitados e vê-se facilmente que não és nem uma coisa nem outra.
– Eu quero uma dessas colchas – exigiu o rei.– Talvez seja o que finalmente me fará feliz.
A mulher pensou por um momento.
– Oferece tudo o que tens – disse – e então far-te-ei uma manta. Por cada prenda que deres, acrescento um quadrado à manta. Quando tiveres dado todas as tuas coisas, a tua manta estará terminada.
– Dar todos os meus maravilhosos tesouros? –gritou o rei. – Eu não dou, eu recebo!
E, dito isto, deu ordem aos soldados para se apoderarem da linda manta de estrelas da costureira.
Mas, quando se precipitaram sobre ela, a mulher lançou a manta pela janela e uma forte rajada de vento levou-a.
O rei ficou muito zangado. Levou a costureira montanha abaixo, atravessou a cidade e subiu outra montanha, onde os seus ferreiros reais fizeram uma grossa pulseira de ferro. Acorrentaram-na a uma rocha na gruta de um urso que estava a dormir.
O rei pediu-lhe novamente uma manta, e uma vez mais ela recusou.
– Muito bem, então – respondeu o rei. – Vou deixar-te aqui. Quando o urso acordar, tenho a certeza de que vai fazer de ti um óptimo pequeno-almoço.
Quando, algum tempo mais tarde, o urso abriu os olhos e viu a costureira na gruta, equilibrou-se nas fortes pernas traseiras e soltou um rugido que sacudiu os ossos da mulher. A costureira ergueu os olhos para o urso e abanou tristemente a cabeça.
– Não admira que sejas tão resmungão – disse.– Para além de rochas, não tens nada onde possas à noite descansar a cabeça. Arranja--me um braçado de agulhas de pinheiro e, com o meu xaile, far-te-ei uma almofada grande e fofa.
E foi isso que fez. Nunca ninguém fora antes tão amável para com o urso, que partiu a pulseira de ferro da mulher e lhe pediu que lhe fizesse companhia durante a noite.
Mas, embora o rei desempenhasse bem o papel de homem ambicioso, desempenhava mal o papel de homem malvado. Durante toda a noite não conseguiu dormir a pensar na pobre mulher, na gruta.
– Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? –lamentava-se.
Acordou os soldados e lá marcharam todos em pijama até à gruta para a salvarem. Mas, quando chegaram, o rei encontrou a costureira e o urso a tomarem um pequeno-almoço de frutos silvestres e mel.
Então, o rei esqueceu por completo a pena que sentira e voltou a ficar zangado. Ordenou aos construtores reais de ilhas que construíssem uma ilha tão pequena que a costureira só lá pudesse ficar em bicos de pés.
Novamente o rei lhe pediu uma manta e novamente ela recusou.
– Muito bem – respondeu o rei. – Esta noite, quando estiveres demasiado cansada para te manteres em pé e quiseres deitar-te para dormir, afogar-te-ás.
E o rei deixou-a só na minúscula ilhota.
Pouco depois de ele partir, a costureira viu um pardal atravessar o grande lago. Soprava um vento forte e violento e o pobre pássaro não parecia capaz de chegar a terra. A costureira chamou-o e ele poisou no ombro dela para descansar. Como o pobre e cansado pardal estava a tremer, a senhora fez-lhe uma capa de um pedaço de tecido do seu colete púrpura. Quando a ave se sentiu mais quente e o vento parou de soprar, levantou voo de novo, grato pelo que a costureira lhe tinha feito.
Dali a pouco, o céu escureceu devido a uma enorme nuvem de pardais. Com as asas sempre a bater, milhares deles desceram, pegaram na mulher com os seus pequeninos bicos e levaram-na em segurança para terra.
Novamente nessa noite, o rei não conseguia dormir a pensar na senhora, sozinha na ilha.
– Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? –lamentava-se.
Voltou a acordar os soldados que estavam a dormir, e lá marcharam em pijama até ao lago, para libertarem a costureira. Mas, quando chegaram, ela estava sentada no ramo de uma árvore a coser minúsculas capas cor de púrpura para todos os pardais.
– Desisto! – gritou o rei. – O que tenho de fazer para me dares uma manta?
– Como já te disse – respondeu ela – oferece tudo o que tens e eu faço-te uma manta. E, por cada prenda que dês, acrescento mais um quadrado à tua manta.
– Não consigo fazer isso! – gritou o rei. –Eu adoro todas as minhas lindas e maravilhosas coisas.
– Mas, se elas não te fazem feliz – retorquiu a costureira – para que servem?
– Lá isso é verdade – suspirou rei.
E pensou muito, muito no que ela dissera. Pensou durante tanto tempo, que as semanas se sucederam umas às outras.
– Pronto, está bem – disse entredentes. – Se tenho de me libertar dos meus tesouros, então que seja!
O rei regressou ao castelo e procurou, de uma ponta a outra, qualquer coisa da qual conseguisse abdicar.
De sobrolho franzido, lá acabou por encontrar um simples berlinde. Só que o rapazinho que o recebeu retribuiu-lhe o gesto com um sorriso tão radiante, que o rei regressou ao castelo para ir buscar mais coisas.
Por fim, pegou num amontoado de casacos aveludados e foi distribuí-los pelas pessoas vestidas de trapos. Ficaram todas tão contentes, que se cidade.
Mas, ainda assim, o rei não sorria.
Em seguida, foi buscar uma centena de gatos siameses azuis, que dançavam valsas, e uma dezena de peixes transparentes como vidro. Depois, deu ordem para que trouxessem para fora o carrocel com os cavalos verdadeiros. As crianças gritaram de entusiasmo e puseram-se a dançar em redor dele.
O rei olhou à sua volta e viu as danças, a felicidade e a alegria que os seus presentes tinham trazido. Uma criança pegou-lhe na mão e puxou-o para dançar. O rei agora sorria e até soltava gargalhadas.
– Como é isto possível? – exclamou. – Como é possível eu sentir-me tão feliz por dar as minhas coisas? Tirem tudo cá para fora! Tirem tudo imediatamente!
Entretanto, a costureira manteve a sua palavra e começou a fazer uma manta especial para o rei. Por cada presente que ele dava, ela acrescentava outro quadrado à manta.
O rei continuou a dar e a dar. Quando, por fim, não havia mais ninguém que não tivesse recebido alguma coisa, o rei decidiu ir pelo mundo e procurar outras pessoas que precisassem das suas prendas.
Antes de partir, o rei prometeu à costureira que lhe enviaria um pardal de todas as vezes que desse alguma coisa.
De manhã, à tarde e à noite, as carroças partiam da cidade, cada uma delas carregada até cima com todos os objectos maravilhosos do rei. E durante anos e anos, os pardais mensageiros foram voando até ao peitoril da janela da costureira, à medida que ele ia esvaziando lentamente os seus carros por onde quer que passasse e trocava os seus tesouros por sorrisos.
A costureira trabalhava sem parar e, pedaço a pedaço, a manta do rei foi crescendo, cada vez maior e mais bonita.
Por fim, certo dia, um pardal cansado entrou-lhe pela janela e poisou na agulha. A costureira compreendeu imediatamente que este era o último mensageiro. Deu o último ponto na manta e desceu a montanha em busca do rei.
Após uma longa busca, encontrou-o finalmente. As suas vestes reais estavam agora em farrapos e os dedos dos pés espreitavam-lhe das botas. Os olhos brilhavam de alegria e o riso era maravilhoso e sonoro. A costureira retirou do saco a manta e desdobrou-a. Era de tal forma bela, que borboletas e colibris esvoaçavam à sua volta. Ergueu-se em bicos de pés e pô-la à volta do rei.
– O que é isto? – exclamou ele.
– Prometi-te há muito tempo – disse ela – que quando fosses pobre, te daria uma manta.
O riso radiante do rei fez cair maçãs e levou as flores a voltarem-se para ele.
– Mas eu não sou pobre – disse. – Posso parecer pobre mas, na verdade o meu coração está cheio a mais não poder, com as recordações de toda a alegria que dei e recebi. Agora sou o homem mais rico.
– Mesmo assim, fiz esta manta só para ti –disse a costureira.
– Obrigado – respondeu o rei. – Mas só fico com ela se aceitares uma prenda minha. Há um último tesouro que ainda não dei. Guardei-o todos estes anos só para ti.
O rei retirou o seu trono do carro velho e frágil.
– É mesmo muito confortável – disse o rei. –E o ideal para quem passa longos dias a coser.
A partir desse dia, o rei voltou muitas vezes à casa da costureira de colchas, que ficava bem lá em cima, perto das nuvens.
Durante o dia, a costureira fazia lindas colchas que não vendia e, à noite, o rei levava-as para a cidade. Procurava, então, os pobres e infelizes, pois nunca se sentia tão feliz como quando dava alguma coisa a alguém.
Jeff Brumbeau,The quiltmaker’s gift,New York, Orchard Books, 2000,Tradução e adaptação
O gesto de dar nem sempre é espontâneo. Os primeiros impulsos costumam ser egoístas e necessitam, por isso, de ser contrariados. A atenção aos outros ajuda ao desabrochar da virtude da generosidade. Em contrapartida, a presunção fecha a pessoa em si própria e torna-a insensível às necessidades daqueles que a rodeiam. O instinto de tudo guardar para si é contrário à vida em sociedade e causa de sofrimentos e privações.
Agora reflete…
“O amor é a cura de todos os males”.
Leonard Cohen
Os sábios da Índia dizem que, quando olhamos para o mundo, o colorimos com as nossas próprias cores. Por isso, se olharmos os outros com ódio ou desconfiança, iremos receber ódio e desconfiança. Pelo contrário, se os virmos com amor, viveremos sempre rodeados de carinho.
E tu, como preferes viver?
Há quem tenha vergonha de expressar os seus sentimentos, mas isso não significa que não gostem de nós. Muitas vezes basta que lhes mostremos o nosso amor (com palavras amáveis, com um beijo, com um presente inesperado…) para nos abrirem o coração.
Se te custa dar carinho a alguém de quem gostas, imagina que o mundo vai acabar amanhã. O que farias hoje? Certamente correrias a abraçar os teus pais, irmãos e amigos. Dir-lhes-ias o quanto gostas deles, e falarias dos bons momentos que passaram juntos… Para fazeres isso, não é preciso esperar pelo fim do mundo! Podes começar hoje mesmo a dar-lhes afeto… mesmo que seja à tua maneira!
Mostra o teu carinho
Há muitas maneiras engraçadas e originais de demonstrar amor a quem te rodeia. Eis algumas:
a) Escrever um lindo poema no frigorífico com letras magnéticas.
b) Colocar um desenho muito alegre e bem colorido no seu quarto.
c) Compor uma canção para ele/a.
d) Oferecer-lhe um trabalho manual feito por ti.
Etc., etc.,…
Coerência
“Aqueles que prometem e não cumprem, que são uma coisa nas palavras e outra nos atos, aqueles que mudam de acordo com as conveniências do momento, acabam por transformar a sua vida numa farsa, da qual não sairão incólumes. “
Simplicidade
Aqueles que gostam de se enaltecer atraem a inveja dos demais e acabam sozinhos. Quem tem verdadeiro valor é discreto e simples, trata os outros com afabilidade e não procura ser o centro das atenções. É um sinal de imaturidade a atitude exibicionista de tantos jovens, que gostam de se fazer notar pelos piores motivos: a indisciplina, a ignorância e a grosseria. Muitos acabam na marginalidade.
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